Índios, fazendeiros e MPF defendem indenização integral como solução para conflitos em MS

DivulgaçãoLideranças indígenas, fazendeiros, procuradores da República e entidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) concordam em pelo menos um ponto sobre osconflitos entre índios e produtores rurais sul-mato-grossenses: se governos federal e estadual querem resolver os confrontos por terras, devem indenizar os fazendeiros que receberam do próprio Estado os títulos de propriedade.
A proposta vêm sendo discutida há tempos, sem avanços. Segundo o procurador da República Marco Antonio Delfino, só em 2012 lideranças indígenas e ruralistas, políticos e membros do Ministério Público se reuniram duas vezes para discutir o assunto. Como os governos não deram sinais de que haveria dinheiro suficiente para colocar a sugestão em prática, os esforços de negociação minguaram.

O maior empecilho à proposta é que os produtores rurais exigem que a indenização pelas áreas produtivas regularizadas, que forem desapropriadas para a criação de terras indígenas, leve em conta não só as melhorias feitas pelos fazendeiros, mas também o valor de mercado da terra. Eles querem que tudo seja pago em dinheiro. Essas iniciativas, para alguns, exigem mudanças nas leis.

Para o procurador da República, a indenização é a forma de o Estado brasileiro compensar os produtores não pela terra ou pelas benfeitorias, mas por agir de forma “contraditória”. Delfino entende que a União é a principal responsável pelos atuais conflitos. Isso porque, durante o século passado, estimulou pessoas de outras regiões do país a se mudar para o Centro-Oeste e ocupar áreas até então povoadas por índios. Enquanto comunidades indígenas inteiras eram deslocadas, o Estado brasileiro concedia aos recém-chegados títulos de propriedade das terras que, hoje, reconhece que pertenciam aos índios.

– Há um parecer da consultoria jurídica do Ministério da Justiça que atesta a possibilidade de a União indenizar as terras que ela própria titulou. Se todas as partes se sentarem para negociar é possível pensar em outras propostas, mas, hoje, esta é a única solução possível para os conflitos. No caso da União, não é necessária nenhuma mudança legal. Basta o governo federal pegar o parecer jurídico, torná-lo vinculante e destinar dinheiro para pagar as indenizações integrais – afirmou Delfino, criticando o fato de uma emenda parlamentar de R$ 100 milhões, apresentada no ano passado pelo senador Waldemir Moka (PMDB-MS) para esse fim, ter sido reduzida a R$ 20 milhões no Orçamento deste ano.

Para o senador, o valor é irrisório, principalmente levando em conta o tamanho das áreas em discussão.

– Não adianta fazer reunião, audiência pública no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas se não houver recurso no orçamento. Sem dinheiro, esse conflito não vai acabar nunca.

O presidente da Famasul, Eduardo Riedel, também defende a indenização integral como forma de o Estado reparar o que fez no passado.

– Se o governo federal entende que, agora, os índios têm que ser instalados nessas áreas, que as compre e pague por elas. Em algum momento, o Estado brasileiro estimulou as pessoas a ocupar essas áreas, dando a elas os títulos de propriedade. Tentar tirá-las dalí sem as indenizar, certamente vai gerar conflitos – disse Riedel em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil no fim do ano passado. Na época, Riedel comentou que poucos produtores discordavam da proposta, por diferentes motivos.

Irmão do índio terena Oziel Gabriel, morto no dia 30 de maio, e primo de Josiel Gabriel Alves, baleado na última terça, dia 4, Otoniel Terena disse que vários produtores rurais sul-mato-grossenses já sinalizaram que aceitam deixar as fazendas, desde que recebam pela terra e pelas benfeitorias um valor que considerem justo.

– O governo diz que é difícil resolver o problema, mas os fazendeiros já aceitaram vender suas terras. Um índio teve que ser morto para o governo [federal] fazer algo – disse Otoniel, referindo-se à visita do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao Estado.

– Ficamos com uma terrível sensação de que estamos sendo injustiçados – acrescentou.
O secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, reforçou a opinião de Otoniel.

– O Cimi entende que, além da indenização pelas benfeitorias, os não índios que ocupam terras tradicionais dos povos indígenas têm direito à indenização pelos títulos de propriedade de boa-fé dessas terras. Os títulos emitidos pela União devem ser indenizados diretamente pela União. Já os títulos emitidos pelos estados federados devem ser indenizados por eles – completou Buzatto.

O ministro da Justiça mantém discurso cauteloso sobre o tema.

– Tudo isso será objeto dessa discussão, eu não vou antecipar propostas [a serem discutidas em um fórum proposto pelo governo, com representantes dos dois lados]. Vou previamente me reunir, inclusive com o Conselho Nacional do Ministério Público e com o Conselho Nacional de Justiça, para discutir um pouco as questões jurídicas que envolvem o caso.

Área de conflito
De acordo com a Fundação Nacionao do Índio (Funai), a disputa por terras se arrasta desde pelo menos 1928, quando o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI, órgão substituído pela Funai em 1967), criou uma reserva terena com 2.090 hectares.

A área ao redor da reserva (criada ainda com a visão estratégica da época, de integrar os índios à sociedade não-índia) era cedida, legalmente, a colonos, na maioria vindos de outras regiões, estimulados pelos governos federal e estadual. Muitos produtores garantem ter documentos que comprovam que a propriedade pertence a sua família desde a década de 1920.

Após 1988, quando a Constituição Federal assegurou aos povos indígenas direitos às terras tradicionalmente ocupadas por seus antepassados, os terenas passaram a reivindicar a ampliação da reserva. Responsável por elaborar os estudos de identificação das terras indígenas, a Funai, em 2001, concluiu que os terenas têm direito a uma área de 17 mil hectares. Área que engloba, entre outras propriedades, a Buriti.

Fazendeiros recorreram à Justiça, retardando o andamento do processo. Mesmo assim, em 2010, o ministério da Justiça decretou os 17 mil hectares já delimitados pela Funai como área destinada à posse e ao usufruto indígena. Alegando estarem cansados de esperar pela decisão final da Justiça e argumentando que o governo já reconhecera seus direitos à terra, os terenas ocupam cerca de três mil hectares para forçar a conclusão do processo demarcatório e a consequente retirada dos não-índios da área.
AGÊNCIA BRASIL

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